Brasil BioFuels e Vibra vão abastecer aviões com biocombustível

Milton Steagall e Wilson Ferreira

No sul de Roraima, a terra custa até sete vezes menos do que em outros grandes polos de produção agropecuária do país. Ainda assim, em sobrevoo, é possível ver áreas abertas há décadas que foram abandonadas por falta de recursos. São buracos no meio do bioma Amazônia.

A Brasil BioFuels (BBF) vai usar essas terras degradadas para cultivar palma e produzir óleo — que, posteriormente, se transformará em 500 mil metros cúbicos de diesel verde (HVO) e combustível sustentável de aviação (SAF) na biorrefinaria que está sendo construída na Zona Franca de Manaus, com investimentos previstos em R$ 2 bilhões.

A Vibra Energia, antiga BR Distribuidora, terá acesso exclusivo a essa produção por cinco anos, e poderá renovar o acordo por mais cinco anos. Líder no mercado brasileiro de combustíveis em geral, a companhia pretende começar a distribuir esses biocombustíveis entre 2025 e 2026.

Em um voo de uma hora e vinte minutos entre Manaus (AM) e São Luís (RR), por exemplo, o monomotor queima 320 litros de querosene para aviação (QAV) e libera carbono no ar. A aviação responde por 2% das emissões globais de CO2 — 915 milhões de toneladas em 43 bilhões. A fatia é pequena em relação a outras atividades, mas na corrida para frear as mudanças climáticas o setor também terá que reduzir sua pegada ambiental.

Foi de olho nessa demanda que a BBF elevou de R$ 1,8 bilhão para R$ 2 bilhões o aporte para a produção de biocombustíveis. Além da produção de HVO, anunciada pela empresa em novembro, o recurso extra garantirá tecnologia para produzir o SAF, que emite até 90% menos poluentes do que o querosene de aviação.

Produção verticalizada

A Brasil BioFuels optou por verticalizar a produção da palma em São João da Baliza, município vizinho a São Luís, diferentemente da estratégia que adotou no Pará, onde tem cerca de 70 mil hectares plantados e parcerias com agricultores familiares. No sul de Roraima, a empresa plantará 20 mil hectares neste ano e pretende chegar a 120 mil até 2026. Com isso, a expectativa é capturar 600 mil toneladas de CO2 por ano.

A BBF cultiva as sementes em pequenos vasos, chamados de pré-viveiros. Elas contam com um controle rigoroso de umidade e outras necessidades para um bom desenvolvimento. Mesmo assim, cerca de 15% não apresentam o vigor desejado e são descartadas. Como as plantas ficam décadas na terra, não vale a pena ocupar espaço com mudas fracas.

No viveiro, a BBF recorre à irrigação, mas submete as plantas à uma realidade térmica e de vento mais próxima do que vão encontrar em campo. Depois, as palmas são transferidas para a área de plantio definitivo. Leva cerca de quatro anos do plantio à colheita.

Vantagens da palma

A opção pela palma se deve, principalmente, à maior produção de óleo. Estima-se que renda sete vezes mais do que a soja, por exemplo. “É uma quebra de paradigma em relação aos biocombustíveis do Centro-Sul. O ciclo da cana dura sete meses, enquanto a palma dá o ano inteiro”, afirma o presidente da BBF, Milton Steagall.

O zoneamento agrícola da palma permite o cultivo em áreas desmatadas apenas até o fim de 2007. Isso significa que há 31 milhões de hectares potenciais, muito mais do que o plano da BBF, o que pode gerar concorrência no futuro.

O óleo de palma será transportado em caminhões movidos a biocombustíveis até a Zona Franca de Manaus, onde a indústria conta com isenções. A logística foi pensada para reduzir a emissão de CO2 em toda a cadeia e manter a competitividade. “E os maiores consumidores de diesel se concentram na Amazônia”, diz Dionisios Vossos, head de Desenvolvimento de Negócios da BBF. Lá, o volume deve ser dividido igualmente entre a produção de HVO e de SAF, pelo menos no início.

Como parte da área aberta no bioma amazônico data de 2008 em diante, a BBF estuda uma forma de não deixar buracos. Para isso, o plano é cultivar cacau e vender para indústrias de chocolates.

A demanda por esses biocombustíveis ainda está sendo definida. Mas o Esquema de Compensação e Redução de Carbono para a Aviação Internacional (Corsia, na sigla em inglês) já prevê reduções voluntárias de CO2 a partir de 2025 e obrigatórias depois de 2027. Durante a apresentação da BBF e da Vibra, executivos de Azul, Gol e Latam se mostraram interessados e tiraram algumas dúvidas.

“Não é só a questão de querer ser sustentável. Daqui a pouco, vai ter um mandato disso. Nós vamos ser obrigados. Se esse trabalho não começar agora, a coisa vai ficar complicada mais à frente”, comentou um desses executivos, que preferiu não ser identificado.

Segundo Marcelo Bragança, vice-presidente executivo de Operações da Vibra, o combustível sustentável de aviação já é uma realidade na Europa e na Califórnia (EUA). A francesa Airbus realizou alguns voos no último ano. “Aumentar o uso de SAF continua sendo um caminho fundamental para alcançar a ambição da indústria de emissões líquidas de carbono zero até 2050”, disse a empresa, em nota recente.

Enquanto isso, o HVO avança em um ritmo mais acelerado do que o etanol e o biodiesel, segundo Bragança. “É mais estável, de fácil uso. Tecnicamente, pode ser usado em qualquer proporção. Já o biodiesel apresenta alguns problemas depois de certo nível de mistura”, diz.

Mandato para o diesel verde

O governo deve encaminhar ao Congresso, em breve, uma sugestão de mandato para o diesel verde. A proposta será baseada em resultados na descarbonização, em vez de um percentual de mistura, como acontece com o biodiesel. A ideia é que a redução de emissões varie de 1% e 10% de reduções. O texto está na Casa Civil e pode sofrer alterações antes de seguir para o Legislativo.

O presidente da Vibra, Wilson Ferreira Junior, está confiante de que o mercado brasileiro para esses produtos vai crescer significativamente nos próximos anos. Questionado sobre o mercado de créditos de carbono, ele disse apenas que são ganhos para o futuro, e que o foco agora é obter biocombustíveis baratos.

Se tudo der errado, a Vibra diz que será possível exportar o excedente, mas o risco é baixo. O volume de HVO e SAF fornecido pela BBF representará apenas 2% da demanda da Vibra. Se a produção anunciada pela companhia ficasse na região Norte para substituir diesel e querosene de aviação, só atenderia 25% da demanda — o mercado global para o combustível de aviação chega a 360 bilhões de metros cúbicos de querosene por ano.

Milton Steagall afirma que há capacidade para dobrar a produção, para 1 bilhão de metros cúbicos, em um ano e meio, se a Vibra quiser. Porém, a BBF só vai expandir a produção quando fechar novos acordos. Contratos de venda ajudam a conseguir crédito — não à toa representantes do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) foram convidados a conhecer os planos para o empreendimento.

Fundada em 2008, a BBF atua em cinco Estados da região Norte, onde emprega mais de 6 mil pessoas. A empresa possui 18 termelétricas em operação e 18 em implantação, três indústrias de esmagamento de óleo de palma e uma indústria de biodiesel.

Já a Vibra é licenciada da marca Petrobras e tem 8,3 mil postos de combustíveis em todas as regiões do país. A empresa possui também mais de 18 mil clientes em diversos segmentos, como transporte, comércio, produtos químicos e agronegócio. A marca BR Aviation detém 70% do mercado de aviação.

* O jornalista viajou a convite da BBF e da Vibra

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